You are the universe, expressing itself as a human for a little while.
- Eckhart Tolle
Foi um acidente de carro. Nada particularmente notável, mas, de todo modo, fatal. Você deixou esposa e dois filhos. Foi uma morte indolor. Os paramédicos fizeram tudo o que podiam para salvá-lo, em vão. Seu corpo tinha ficado em tal estado que foi melhor assim, acredite.
Foi aí que nos encontramos.
- O que foi... o que aconteceu? - você perguntou. - Onde estou?
- Você morreu - expliquei casualmente. Não havia razão para rodeios.
- Tinha... um caminhão, eu derrapei...
- É.
- Eu... morri?
- É. Mas não se preocupe. Acontece com todo mundo.
Você olhou em volta. Não havia nada, só eu e você.
- Que lugar é este? É a vida após a morte?
- Mais ou menos - respondi.
- Você é deus?
- Isso. Sou Deus.
- Meus filhos... minha mulher...
- O que é que tem eles?
- Eles vão ficar bem?
- É isso que eu gosto de ver. Você acabou de morrer e sua maior preocupação é com a sua família. Isso é muito bom.
Você me olhou fascinado. Para você, eu não parecia Deus. Parecia mais um homem qualquer. Ou, talvez, uma mulher. Alguma vaga figura de autoridade, talvez - parecia mais um professor de gramática do que o todo-poderoso.
- Não se preocupe, eles vão ficar bem. A lembrança que seus filhos guardarão de você será de perfeição sob todos os aspectos. Não tiveram tempo de chegar a desprezá-lo. Sua esposa vai chorar, mas no fundo, no fundo, vai ficar aliviada. Sejamos honestos, seu casamento estava falido. Mas, se serve de consolo, ela vai carregar uma culpa enorme pelo alívio que vai sentir.
- Oh... E agora? Eu vou para o céu ou para o inferno, ou alguma coisa assim?
- Nenhum dos dois. Você vai reencarnar.
- Ah, então os hindus tinham razão.
- Todas as religiões estão certas, cada qual à sua maneira. Vamos andar um pouco.
Você me acompanhou em uma caminhada pelo vazio.
- Para onde estamos indo?
- Para nenhum lugar específico. Mas é agradável caminhar enquanto conversamos.
- Então, para que tudo isso? Quando eu renascer, vou ser como um papel em branco, certo? Um bebê. Todas as minhas experiências, tudo o que eu tiver feito nesta vida, nada disso terá nenhuma importância.
- Não é bem assim - retruquei. - Você levará consigo todo o conhecimento e as experiências de todas as suas vidas passadas. Você só não terá a lembrança delas, por enquanto.
Parei de falar e segurei-o pelos ombros.
- A sua alma é mais magnífica, bela e imensa do que você é capaz de conceber. A mente humana consegue conter apenas uma minúscula fração do que você é. É como mergulhar o dedo em um copo de água para ver se está quente ou fria. Você submerge apenas uma pequena parte sua, mas ao tirar o dedo recebeu todas as experiências que ele teve. Como você viveu os últimos 48 anos sob a forma humana, ainda não teve tempo de se expandir e entrar em contato com o resto da sua imensa consciência. Se ficássemos aqui tempo suficiente, você começaria a lembrar de tudo. Mas não há por que fazer isso entre uma vida e outra.
- Então quantas vezes eu já reencarnei?
- Ah, muitas. Muitas mesmo. Desta vez, você vai ser uma jovem camponesa na China de 540 d.C..
- Como assim? - você gaguejou. - Você vai me mandar para o passado?
- Bom, acho que, tecnicamente, sim. Sabe, o tempo só existe no seu universo. No lugar de onde eu venho, as coisas são diferentes.
- E de onde você veio?
- Ah, sim. Bem, venho de um outro lugar. Um lugar diferente. E há outros como eu. Sei que você vai querer saber como é, mas, sinceramente, você não vai entender.
- Ah... - você suspirou, meio decepcionado. - Mas espere aí. Se eu reencarnar em outros momentos no tempo, posso interagir comigo mesmo em algum momento.
- Claro. Isso acontece muito. Mas, como em cada vida você só tem consciência do seu próprio tempo, não vai se dar conta do que está acontecendo.
- Mas para que tudo isso?
- Você está falando sério? Sério que você está me perguntando qual o sentido da vida? Isso não é meio lugar-comum?
- É uma pergunta razoável - você insistiu.
Olhei-o no fundo dos olhos.
- O sentido da vida, o motivo por que criei este universo inteiro, é para que você amadureça.
- Você quer dizer os seres humanos? Você quer que a gente amadureça?
- Não, só você. Criei este universo inteiro para você. A cada nova vida, você cresce e amadurece, e torna-se um intelecto maior e melhor.
- Só eu? E o resto do mundo?
- Não existe mais ninguém. Neste universo, somos só eu e você.
Você me olhou sem entender:
- Mas todas as outras pessoas na Terra...
- Todas são você. Diferentes encarnações suas.
- Espere. Eu sou todo mundo?
- Agora você entendeu - parabenizei-o, dando-lhe um tapinha nas costas.
- Todos os seres humanos que já viveram sou eu?
- E que viverão, sim.
- Sou Abraham Lincoln?
- Sim, e John Wilkes Booth também.
- Sou Hitler? - você perguntou, horrorizado.
- E todos os milhões que ele matou.
- Sou Jesus Cristo?
- E todos os que o seguiram.
Você ficou em silêncio.
- Todas as vezes que você fez mal a alguém, foi a si mesmo. Todos os seus atos de bondade foram para consigo mesmo. Cada momento de alegria ou tristeza vivido por todos os seres humanos foram, ou serão, vividos por você.
Você ficou pensando por um bom tempo.
- Por quê? - perguntou então. - Por que isso tudo?
- Porque, um dia, você se tornará igual a mim. Porque é isto que você é: como eu. É meu filho.
- Uau - você exclamou, incrédulo. - Quer dizer que eu sou um deus?
- Não, ainda não. Você é um feto. Ainda está crescendo. Quando tiver vivido todas as vidas humanas de todos os tempos, terá crescido o suficiente para nascer.
- Então o universo inteiro é só...
- Um ovo - completei. - E agora está na hora de você seguir para a sua próxima vida.
E mandei você de volta.
Por Andy Weir, aqui. | (Via)
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