quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

ser no presente


Quem se senta e fica imóvel imediatamente se conecta com o primeiro nível de consciência, que fica um pouco abaixo da superfície de atenção do funcionamento cotidiano da mente. Trata-se de uma dura constatação, a do grau de indisciplina e inquietude de nossa mente (...). Santa Teresa comparava isso a um navio cuja tripulação se amotinou, prendeu o capitão e se revesa caoticamente no comando do navio. Alguns dias podem ser melhores do que outros, em matéria de distração, mas até mesmo isto, apenas prova como é inconstante a superfície de nossa mente, como depende das condições externas, como somos descentrados. (...)
“Por isso vos digo: não vos preocupeis com a vossa vida quanto ao que haveis de comer, nem com o vosso corpo quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que a roupa? (Mt 6, 26) Nossa meta é a de ser no presente momento, que é o único momento de realidade, de encontro com o Deus que é “Eu Sou”. No entanto, em questão de segundos, estamos pensando pensamentos de ontem, fazendo planos para amanhã, ou encadeando sonhos e desejos de realização no reino da fantasia. “Buscai em primeiro lugar seu Reino e sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas. Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã, pois o dia de manhã se preocupará consigo mesmo”. (Mt 6, 33) O ensinamento de Jesus sobre a prece é simples e puro, incisivamente sábio e de bom senso. Ainda assim, parece estar muito além de de nossa capacidade de colocá-lo em prática. Será que ele estava mesmo se dirigindo ao comum da humanidade?
A descoberta do nosso nível de distração é fonte de humildade. Ajuda a nos lembrar que [o mantra] é uma descoberta universal. Por que outra razão teria João Cassiano recomendado o mantra (que ele chamava de "fórmula") mil e seiscentos anos atrás? (...) Diante dessa descoberta, é fácil nos desencorajarmos e darmos as costas para meditação. "Não é meu tipo de espiritualidade. Eu não sou do tipo de pessoa disciplinada. Por que meu período de oração deve ser mais um período de trabalho?" Esse desencorajamento frequentemente oculta um sentimento recorrente de fracasso e de inadequação, o lado fraco de nosso ego machucado e que se rejeita: “Não sou bom pra nada, nem mesmo para a meditação”.
O que precisamos acima de tudo, neste estagio, (...) é de um discernimento do significado da meditação e de uma sede que brota de um nível mais profundo de consciência do que aquele ao qual estamos presos (...).

A compreensão clara, desde o início, do que é o significado e o propósito do mantra, nos ajuda. Não se trata de uma varinha de condão que esvazia a mente, ou um interruptor que nos liga a Deus, mas, de uma disciplina, “que começa na fé e termina no amor”, que nos leva à pobreza do espírito. 

Não repetimos o mantra para eliminar as distrações, mas para nos ajudar a desviar nossa atenção delas. Apenas para descobrir que somos, ainda que modestamente, livres para dirigir nossa atenção em outra direção é o primeiro grande despertar. Trata-se do início do aprofundamento da consciência, que permite deixar as distrações na superfície, tal como as ondas na superfície do oceano.

- Laurence Freeman, OSB

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